Caso Miguel

Faltou paciência para tirar meu filho do elevador, diz mãe de criança que morreu ao cair de prédio no Recife

A mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que morreu após cair do 9º andar de um prédio no Recife, deu uma entrevista ao vivo para o TV Jornal Meio-Dia desta quinta-feira (04). Confira!

Giovanna Torreão
Giovanna Torreão
Publicado em 04/06/2020 às 12:00
Reprodução/TV Jornal
FOTO: Reprodução/TV Jornal

"Infelizmente, faltou um pouco de paciência dela para tirar o meu filho de dentro do elevador. Se ela tivesse um pouquinho mais de paciência, se ela tivesse pego ele pela mão, ao invés de ficar só falando, pegasse ele pela mão e tirasse [ele do elevador], meu filho tava hoje comigo", desabafou a empregada doméstica Mirtes Renata Santana da Silva, mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, sobre a patroa, que foi autuada por homicídio culposo. A criança morreu nessa terça-feira (02) após cair do 9º andar do condomínio de luxo Píer Maurício de Nassau, conhecido como Torres Gêmeas, no bairro de São José, na área central do Recife, onde a mãe trabalhava como empregada doméstica.

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A mãe de Miguel conta que não sente raiva e nem ódio de ninguém pelo ocorrido. "Só sinto uma dor muito forte no meu peito. Meu coração está sangrando pelo perda da minha vida, do amor da minha vida. Eu deixava faltar pra mim, mas pra ele não deixava faltar nada. Tinha planos para o futuro dele. Infelizmente, os planos para o futuro do meu filho foram interrompidos", lamentou a mãe. A avó do garoto, que o considerava ao mesmo tempo filho e neto, fez coro ao sofrimento da mãe. "Tudo que eu quero é só justiça", declarou Marta.

Sobre os acontecimentos antes da queda da criança, a mãe de Miguel contou que deixou o filho dentro do apartamento e saiu para passear com o cachorro dos patrões.

Na entrevista, a mãe contou que, antes de ter que sair para passear com o cachorro de estimação dos proprietários do imóvel, informou a patroa que não levaria ao passeio o garoto e a filha dos patrões, que costumavam brincar juntos. Segundo ela, a patroa disse que cuidaria das crianças. "Quando eu saí do apartamento, eu deixei ele dentro do apartamento. Antes de sair, disse para minha patroa que não iria levar as crianças para passear a cadela porque eles aperrearam. Eu disse que, por não terem se comportarem, eu não iria levar. E, se depois eles obedecessem, de tardezinha eu levaria. A menina (a filha dos patrões) se conformou, mas meu filho não se conformou, ficou chorando. Ela disse que eu fosse, que ela ficar com Miguel", relatou", relatou a mãe.

As imagens do circuito de segurança do prédio mostram que Miguel tentou entrar no elevador em busca da mãe. Na primeira vez, ele foi detido pela patroa de Mirtes. Numa segunda tentativa, após a criança apertar no interruptor de vários andares, a moradora deixou o menino seguir no elevador e ficou apenas observando a porta do equipamento se fecha.

Pai de Miguel faz questionamento

A tristeza que tomou conta da mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva não foi menor para o pai. Indignado com a perda do filho. Ele cobrou mais investigações sobre o caso e quer que a dona do apartamento onde a mãe do menino trabalhava explique tudo o que aconteceu.

‘’A gente vai correr atrás (de justiça). Hoje foi meu filho, estou com dor, mas vamos correr atrás e descobrir o que houve. Vamos querer saber tudo. A patroa dela tem que explicar. Tem que explicar por que deixou o menino só? Por que não deixou o (filho) dela só e deixou o meu?’’, questionou.

Sonho em ser jogador de futebol

As recordações de Miguel Otávio Santana da Silva estão vivas nas mentes de quem conviveu com a criança. Na escola onde o garoto estudava, desde o maternal, todos sabiam que o sonho dele era ser jogador de futebol. No caderno dele, ficaram gravadas as primeiras letras de uma história que foi interrompida.

Liberada após fiança

Nesta quarta-feira (3), a Polícia Civil autuou a patroa em flagrante pelo crime de homicídio culposo, quando não há intenção de matar. A mulher, que era empregadora da mãe de Miguel, teve a identidade preservada e foi parcialmente responsabilizada pela morte da criança.

Como previsto em lei, ela pagou fiança - determinada pelo delegado Ramón Teixeira em R$ 20 mil - e foi liberada. As primeiras investigações apontaram que a mulher teria permitido que o garoto subisse sozinho no elevador antes de cair do 9º andar - uma altura de 35 metros.

De acordo com a polícia, as imagens das câmeras de segurança foram a principal prova da "negligência" da mulher, como a polícia definiu. No entanto, a investigação descartou qualquer relação da moradora com a queda da criança e o que provocou a sua morte.

*O nome da suspeita não foi divulgado pela Polícia Civil em cumprimento da Lei de Abuso de Autoridade nº 13.869/2019, que, entre outros pontos, proíbe a divulgação de imagens e nomes por parte dos policiais e servidores públicos membros dos Poderes Legislativo, Executivo, Judiciário e do Ministério Público. A pena é de até quatro anos de prisão, caso a autoridade descumpra a legislação.

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Confira a íntegra da entrevista com a mãe de Miguel

TV Jornal: Mirtes, a gente sabe que é um momento difícil. Qual o sentimento hoje?

Mirtes: O sentimento que prevalece em mim é dor. Dor pela perda do meu filho, e só. Não sinto raiva, ódio, depois que vi os vídeos, não. Só sinto uma dor muito forte no peito. Meu coração está sangrando pela perda da minha vida. Do amor da minha vida.

TV Jornal: Como era Miguel?

Mirtes: Miguel era uma criança extrovertida, extremamente feliz. Como criança ele tinha tudo, eu dava educação, saúde, vestuário, o que fosse necessário para o meu filho, eu dava. Eu deixava faltar para mim, mas para ele não deixava faltar nada. E tinha planos para o futuro dele. Mas infelizmente os planos do futuro para o futuro do meu filho foram interrompidos.

TV Jornal: Mirtes, você sabia que o Miguel estava no elevador no momento desse incidente?

Mirtes: Não. Quando eu saí do apartamento, eu deixei ele dentro do apartamento. Antes de sair, disse para minha patroa que não iria levar as crianças para passear com a cadela porque eles aperrearam. Eu disse que, por não terem se comportado, eu não iria levar. E, se depois eles obedecessem, de tardezinha eu levaria.

A menina (a filha dos patrões) se conformou, mas meu filho não se conformou, ficou chorando. Ela disse que eu fosse, que ela ficaria com Miguel

TV Jornal: Quem era a menina?

Mirtes: A filha da minha patroa.

TV Jornal: Eles costumavam brincar juntos quando você estava trabalhando?

Mirtes: Sim, sim, eles tinham um bom convívio, brincavam bastante. Normal de criança, brincar, aperrear...

TV Jornal: Pelas imagens, dá para perceber que a patroa foi até o elevador; ela teria saído do apartamento e ido ao elevador. Você tinha ciência disso?

Mirtes: Tinha. Que ela foi atrás de Miguel. Ontem, quando eu vi o vídeo, entendi o motivo da revolta que houve no velório do meu filho. Antes disso, eu não tinha visto nada. Porque quando eu estava na delegacia e os vídeos chegaram, eu não quis ver porque não estava em condições de ver nada

TV Jornal: Diante das imagens que você viu, você tirou alguma conclusão?

Mirtes: A conclusão que eu tirei é que, infelizmente, faltou um pouco de paciência dela para tirar meu filho de dentro do elevador. Se ela tivesse tido um pouquinho de paciência, tivesse pegado ele pela mão, antes de ficar só falando, meu filho hoje estaria comigo.

TV Jornal: Você me falou que ele costumava passar alguns dias numa casa de praia em Tamandaré. Ele teria chegado essa semana. Ele passou na sua casa, inclusive, você até mostra aqui uma bicicleta que ele gostava muito de brincar.

Mirtes: Ele gostava muito, ele estava com saudade da bicicleta dele.

TV Jornal: Vocês chegaram na segunda e, antes de ir para o apartamento na terça, ele passou aqui para brincar um pouco.

Mirtes: Na segunda-feira quando ele passou aqui, o pneu tava murcho, a gente passou na casa da vizinha, ela encheu o pneu dele, e ele ficou durante a noite na rua brincando, com os amigos dele na rua.

TV Jornal: (À Marta, avó de Miguel): Seu filho-neto, seu único neto, que a senhora tinha como filho. O que a senhora está sentindo nesse momento, o que é que a família mais quer agora?

Marta: Eu estou sentindo muita dor. É dor. Meu coração esta sangrando. E tudo que eu quero é só justiça. Só justiça mesmo.

TV Jornal: Mirtes, em relação ao boletim de ocorrência, você está com ele? Foi entregue à você?

Mirtes: Não me entregaram o boletim de ocorrência. Eu assinei três vias e não me entregaram nada. Só me pediram para aguardar do lado de fora, que dois policiais iriam me trazer em casa. Foi o que fizeram, a mim não me entregaram nada.

TV Jornal: Agora é só esperar.

Mirtes: Agora é só esperar, pela Justiça de Deus e do homem.

Empregada doméstica, mãe de criança que caiu do prédio, consta como funcionária da Prefeitura de Tamandaré

Ciara Carvalho

A empregada doméstica Mirtes Renata Santana de Souza consta como funcionária da Prefeitura Municipal de Tamandaré. A informação está registrada no cadastro da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), órgão ligado ao Ministério da Economia. Nos dados, aparece como data de admissão da funcionária o dia 01 de fevereiro de 2017. Não há registro de data de desligamento.

Mirtes Renata trabalhava como empregada no apartamento do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB). A esposa do gestor, Sari Corte Real, foi presa em flagrante e liberada, após pagamento de fiança, por ter deixado Miguel sozinho dentro do elevador do prédio. Ao sair, a criança caiu de uma altura de 35 metros. O fato aconteceu na tarde da última terça-feira, quando Mirtes deixou o filho sob a responsabilidade da patroa e desceu para passear na rua com o cachorro da família. Ao voltar para o prédio, ela se deparou com o filho praticamente morto. Miguel ainda foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos provocados pela queda.

O cadastro do Rais contém a lista de todos os servidores que têm direito a abono salarial e relaciona o nome do funcionário ao órgão empregador, com o CNPJ da pessoa jurídica. Pelas informações contidas no cadastro, a última atualização foi feita no dia 15 de abril deste ano. O nome da Prefeitura Municipal de Tamandaré consta na razão social como empregadora de Mirtes Renata.

A reportagem tentou falar com a Prefeitura de Tamandaré, com o prefeito Sérgio Hacker e com a chefia de gabinete do gestor do município, mas não conseguiu contato com ninguém. O JC também procurou Mirtes Renata para saber se ela tinha ciência de que seu nome consta como funcionária da prefeitura, mas ela estava descansando e não pôde atender a ligação.

O acidente

De acordo com o perito André Amaral, as imagens do circuito interno de segurança mostram que a criança saiu do quinto andar, entrou no elevador sozinho e subiu até o nono andar. Lá, ele teve acesso ao hall de serviço onde fica o condensador de ar condicionado. Ainda segundo o perito, o menino teria escalado o guarda peito de metal e caiu de uma altura de 35 metros. “Tinha marca de sandália e caracteriza de 1,20 m que é a altura da vítima”, disse. “Na área de acesso lá [no 9º andar], a janela estava aberta, não tinha nenhuma proteção, qualquer pessoa tem acesso, mas não era uma coisa comum ter um acesso a uma criança naquele trecho (...) Verificamos que se trata de uma natureza acidental”, completou. Testemunhas relataram que o menino estava procurando a mãe, ainda conforme o perito.

O corpo da vítima foi liberado do Instituto de Medicina Legal (IML) na manhã desta quarta-feira (3) e o sepultamento aconteceu nesta tarde no cemitério de Bonança, distrito de Moreno, cidade da Região Metropolitana do Recife.

Depoimentos

A mãe de Miguel prestou depoimento na Delegacia de Santo Amaro, ainda na terça-feira. Os patrões dela também foram ouvido, além de um representante da empresa que instalou as câmeras de segurança do prédio.

Após ser ouvida, Mirtes foi levada para a casa de familiares em Jaboatão dos Guararapes. Os donos do apartamento saíram horas depois. Eles montaram um esquema para deixarem a delegacia em dois carros e não responderem às perguntas da imprensa.

Petição que cobra justiça por Miguel, criança que caiu de prédio no Recife, tem mais de 77 mil assinaturas

O caso do menino Migue vem gerado repercussão e comoção nacional após serem elucidadas as condições que levaram a sua morte. Mais de 77 mil pessoas já haviam assinado a petição que cobra por justiça pela vida do menino até o final da manhã desta quinta-feira (4), um dia após a Polícia informar que a patroa da mãe de Miguel facilitou o acesso do menino ao elevador do condomínio conhecido como as Torre Gêmeas.

No fim da manhã desta quinta-feira (4), a hashtag #JustiçaPorMiguel encabeçava o topo da lista dos termos mais usados por usuários do Twitter.

 

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