Cultura

Frevo e música erudita se encontram em ensaio entre maestro Spok e OCC

Luana Nova
Luana Nova
Publicado em 22/02/2017 às 12:41

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Quem foi que disse que a sonoridade do frevo e da música erudita não podem se encontrar? Como já dizia o maestro Guerra-Peixe: “antes de qualquer coisa, o compositor de frevo tem que ser músico. Tem que entender de orquestração”. Foi o que pensou também o maestro Spok, ao reunir-se com 30 integrantes da Orquestra Criança Cidadã (OCC) na manhã dessa terça-feira (21), na sede do programa, localizada no Quartel do Cabanga, para dar uma aula prática e conceitual sobre esse ritmo efervescente, que além de ser o principal do carnaval pernambucano é também patrimônio imaterial da humanidade.

De acordo com o maestro, compositor de frevo e saxofonista há 32 anos e há 15 à frente da Spok Frevo Orquestra, o objetivo do encontro é o de passar para os jovens da OCC a força que tem a música do lugar que eles nasceram, ensaiando e mostrando que é possível orquestras clássicas tocarem frevo com similaridade sonora das orquestras de metais. “Por mais que estudem música erudita, eles são pernambucanos acima de qualquer coisa. Vamos unir esse poder e conhecimento que temos, por ter nascido aqui, e mostrá-lo de uma forma elegante, com os instrumentos de corda”, ensejou. No repertório, músicas de Levino Ferreira, Getúlio Cavalcanti, Sivuca e Luiz Bandeira.

Confira abaixo um pouco da frevança que foi o ensaio do Maestro Spok junto à Orquestra Criança Cidadã, na íntegra:

Ao dar início à aula, Spok explicou quais são os três tipos de frevo e exemplificou as diferenças musicais entre cada um deles. O primeiro foi o “frevo-de-rua”, o qual ele acredita que foi o primeiro a surgir. “Este é unicamente instrumental, ecoado por uma orquestra de metais, geralmente composta por saxofones, trompetes e trombones. É como o frevo nasce”. Em seguida, ele passou para o “frevo-canção”, citando as composições de J. Michiles, um dos homenageados do Galo da Madrugada 2017. “Aqui o frevo começa a ganhar letra e poesia. É também acompanhado por uma orquestra de metais”. Na sequência, foi a vez do “frevo-de-bloco”, que possui um ritmo mais lento, segundo Spok. “Nesse caso, os violões, as flautas, os cavaquinhos e os bandolins vão para as ruas. É feito por uma orquestra de pau e cordas, geralmente cantado por mulheres, tem um certo lirismo e fala sobretudo de saudade”, finalizou, exemplificando o tipo com o clássico Madeira do Rosarinho, do mestre Capiba.

Em entrevista exclusiva à TV Jornal, o maestro revelou que este primeiro ensaio foi uma pequena mostra de um espetáculo que está por vir, já montado, porém ainda sem data marcada, batizado com o título de “História do Frevo” e baseado no livro “Frevo, Capoeira e Passo”, o primeiro escrito sobre o ritmo, do estudioso pernambucano Valdemar de Oliveira. “Seria um espetáculo didático, onde conseguiríamos contar e executar a história do frevo com a orquestra. Nesse texto, o autor apresenta o frevo como uma pessoa, como um personagem que nasceu no bairro de São José, foi apadrinhado por Osvaldo de Almeida e tem suas próprias modalidades”, discorreu Spok.

Turnê nacional

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Em 2015, o maestro e a OCC já haviam realizado uma turnê nacional, com apresentações em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro. No entanto, os jovens integrantes da orquestra tocavam o próprio repertório deles, com músicas eruditas e um pouco do baião de Luiz Gonzaga, e Spok fazia somente uma participação. “Na turnê de 2015 eu mostrei somente 10% do que pretendo realizar ao lado deles, contando a história do frevo e percorrendo o Sertão do Estado”, declarou o compositor. Para o jovem Davi Christian, de 18 anos e violoncelista há 11, experiências inimagináveis se tornaram possíveis graças ao programa. “Eu nem esperava andar de avião ou conhecer outros lugares. Conheci Portugal, me apresentei em Roma... Não tenho nem o que falar”, contou, com a voz embargada.

Sobre a experiência de tocar junto ao maestro, Davi é só elogios. “Tocamos juntos pela primeira vez no Dona Lindu, depois na turnê em São Paulo e agora aqui no ensaio. Assim temos a oportunidade de conhecer um pouco mais do frevo e da nossa cultura. É sempre muito bom”, declarou, ao ressaltar que não apresenta dificuldades em adaptar a música erudita para a sonoridade carnavalesca. “Para a gente do Nordeste é mais fácil porque já ouvimos isso na rua e já temos um gingado”, riu.

Mas nem só de festa vive o frevo, infelizmente. O saxofonista aproveitou a oportunidade para rememorar um tempo em que essa importante expressão musical popular tocava nas rádios e era mais presente no cotidiano dos pernambucanos. “Meu filho conhece vários frevos apenas porque é meu filho. Eu acho que repassar essa nossa cultura deveria ser algo obrigatório nas escolas”, opinou. Ademais, trouxe à tona o fato de que o ritmo tampouco é lembrado fora de época. “A gente precisa ganhar dinheiro nos outros períodos do ano, né? É quando eu toco em teatros para o silêncio. O que eu também amo. E deixamos de fazer um som para dançar para fazer um trabalho para ouvir. Mas quem quiser dançar também pode, claro”, declarou.