ESTUDO

Pesquisadores desvendam como a infecção por zika na gestação pode afetar o cérebro do bebê

Artigo foi publicado pelo grupo na revista Science Signaling

Agência Fapesp
Agência Fapesp
Publicado em 17/06/2020 às 10:47
Foto ilustrativa/Pixabay
FOTO: Foto ilustrativa/Pixabay

A infecção da gestante pelo vírus zika pode resultar em graves defeitos na formação do feto. Isso foi amplamente noticiado pela mídia entre os anos de 2015 e 2016. Para entender as causas desses defeitos, que em muitos casos fizeram com que os bebês nascessem com microcefalia e fossem a óbito, uma rede composta por mais de 30 pesquisadores brasileiros, apoiada pela FAPESP, dedicou-se ao tema. E, após meia década de trabalho árduo, chegou a resultados importantes. Artigo a respeito foi publicado pelo grupo na revista Science Signaling.

“Conseguimos mostrar, pela primeira vez, o que acontece no cérebro do feto afetado pela Síndrome de Zika Congênita [CZS, na sigla em inglês]”, diz à Agência FAPESP o especialista em bioinformática Helder Nakaya, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e integrante do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.

Para isso, os pesquisadores colheram amostras dos cérebros dos bebês que morreram devido à CZS e as compararam com amostras de cérebros de bebês vitimados por outras causas.

“Foi um gesto de grandeza dos pais nos autorizarem a fazer essa coleta em um momento de tanto luto. Eles agiram com a consciência de que estavam ajudando a ciência e de que a ciência poderia ajudar muitas pessoas no futuro”, afirma Nakaya.

A comparação permitiu observar várias anomalias nos cérebros dos bebês portadores de CZS. “A análise do genoma [conjunto de genes], do transcriptoma [conjunto de RNAs transcritos pelos gene] e do proteoma [proteínas produzidas a partir dos RNAs mensageiros] dos cérebros revelou diversas alterações moleculares importantes – entre elas, genes relacionados ao desenvolvimento neuronal, possíveis desregulações de neurotransmissores, como o glutamato, e até alterações em diferentes tipos de colágenos”, destaca Nakaya.

Ao integrar dados de transcriptoma e proteoma, o grupo conseguiu identificar microRNAs (miRNAs, pequenas moléculas de RNA que não codificam proteínas) regulatórios possivelmente relacionados à CZS. Um dos miRNAs encontrados, o mir-17-5p, já havia sido previamente associado à infecção viral em culturas de astrócitos – as células mais abundantes do sistema nervoso central.

“Outros achados importantes incluem variantes genéticas em proteínas-chave do sistema imunológico e do desenvolvimento do sistema nervoso. Esses achados podem explicar uma maior suscetibilidade à CZS em bebês que possuem essas variantes genéticas. Finalmente, ao integrar os três tipos de dados [genômicos, transcriptômicos e proteômicos], encontramos várias alterações em vias de sinalização relacionadas à organização da matriz extracelular [conjunto de macromoléculas secretadas pelas células que auxilia desde o crescimento de diferentes tecidos até a manutenção de um órgão inteiro] – o que pode explicar, em parte, a própria CZS", acrescenta Nakaya.

O pesquisador sublinha que esse levantamento exigiu um trabalho muito pesado de bioinformática, devido à enorme quantidade de dados gerados. “O DNA humano contém 3,2 bilhões de bases, que podem gerar 150 mil transcritos [RNAs codificadores de proteínas e não codificadores] e codificar para mais de 25 mil proteínas. Apenas com um time multidisciplinar como este, com pesquisadores de diversas instituições de pesquisa excelentes, fomos capazes de integrar tanta informação biológica”, diz.

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Nakaya enfatiza que a ciência tem seu tempo, coisa que nem sempre é bem compreendida. “O surto de zika começou em 2015 e só agora temos os resultados. É o tempo de que a pesquisa científica necessita. Eu sei que todo mundo quer respostas imediatas, mas a verdade é que acelerar artificialmente os processos tende a resultar em uma ciência de má qualidade”, afirma.

Todos os dados brutos também estão agora disponíveis publicamente para que a comunidade científica possa fazer suas próprias análises. E investigar em profundidade o papel de cada molécula descrita no trabalho.

Estudo

O estudo recebeu financiamento da FAPESP por meio dos seguintes projetos: “Long noncoding RNA interplay with the host microbiome may determine mucosal influenza vaccine immunogenicity”; “Biologia de sistemas de longos RNAs não codificadores” ; “Biologia integrativa aplicada à saúde humana”; e “Estatística de redes: teoria, métodos e aplicações”.

Artigo

O artigo Molecular alterations in the extracellular matrix in the brains of newborns with congenital Zika syndrome pode ser acessado em https://stke.sciencemag.org/content/13/635/eaay6736.