Luto

Morre, em Brasília, o ex-vice-presidente Marco Maciel

Marco Maciel foi deputado, governador de Pernambuco, senador, e ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República

Elton Ponce  e Angela Fernanda Belfort
Elton Ponce e Angela Fernanda Belfort
Publicado em 12/06/2021 às 7:30 | Atualizado em 21/07/2022 às 15:29
Reprodução/Rádio Jornal
FOTO: Reprodução/Rádio Jornal

O Brasil perdeu na madrugada deste sábado (12) um dos políticos simbólicos da sua história. O ex-vice-presidente da República, o pernambucano Marco Maciel, faleceu aos 80 anos, em Brasília, em decorrência de complicações do Mal de Alzheimer.

Ele convivia com a doença desde 2014, quando o problema foi diagnosticado. Maciel deixa a mulher, Anna Maria, e três filhos. Ainda não há informações do velório e enterro.

Marco Maciel era advogado e professor, foi deputado, governador de Pernambuco, senador, ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República e vice-presidente da República de 1995 a 2003, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Histórico

Marco Maciel assumiu a presidência da República 87 vezes – “um pouco mais de 10 meses” – nos oito anos em que foi vice de Fernando Henrique Cardoso, que ocupou o Palácio do Planalto de 1995 a 2002.

“Era o vice dos sonhos. Viajava e não tinha a menor preocupação, porque Marco era correto. E mais do que correto, minucioso, quase carinhoso. Por exemplo, muitas vezes me trazia algo para ler e marcava em amarelo para poupar o meu tempo. Ele era leal ”, afirmou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em depoimento ao documentário Marco Maciel – A Política do Diálogo, realizado pela TV Câmara em 2016 (?).

O que mais chama a atenção da frase acima é que Marco Maciel e Fernando Henrique Cardoso passaram grande parte da vida em partidos de lados opostos.

Maciel foi um tradicional quadro de siglas da direita – como Arena, PDS e o PFL – e Fernando Henrique, era considerado de esquerda até se tornar presidente da República, quando assumiu um perfil de centro-direita. As posições religiosas também eram diversas: Marco Maciel era muito católico e FHC agnóstico.

“Ponderado, tinha horror à crença ideológica cega e também à arrogância da razão. Homem de princípios, não desdenhava das orientações alheias. Construtivo na vida pública, derrubava barreiras, não construía muros que impedissem o diálogo”, afirmou Fernando Henrique, se referindo a Marco Maciel”, num texto intitulado Fé e Razão, uma das apresentações da biografia Marco Maciel – Um Artífice do Entendimento, de autoria do jornalista Angelo Castelo Branco.

A aproximação entre os dois ocorreu quando ambos eram senadores e o apartamento deles ficava próximo em Brasília, o que faziam eles se encontrarem, “de vez em quando”, como lembra Fernando Henrique. Quando começou essa convivência, “Marco Maciel já se inclinava abertamente a ajudar o fim do ciclo político que se iniciara em 1964”, como disse FHC na biografia citada acima.

“Marco Maciel, Luís Eduardo Magalhães e Jorge Borhausen foram os primeiros a colocar a eventualidade de eu ser candidato a presidente da República”, lembrou Fernando Henrique no mesmo documentário.

Os três foram dissidentes do antigo PDS e passaram a fazer parte do Partido da Frente Liberal (PFL) que apoiou a candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Fernando Henrique também afirmou que, entre os políticos do PFL, o que tinha mais influência sobre ele era Marco Maciel, “que era discreto”. Na época, se falava muito que o político mais importante do PFL era o baiano Antonio Carlos Magalhães.

Ainda no livro de Angelo Castelo Branco, Fernando Henrique Cardoso revelou que, como presidente, foi “várias vezes ao encontro anual que de deputados católicos, que Marco Maciel patrocinava em sua casa. Unia-nos o respeito às crenças e a vontade de que todos participassem da vida nacional”.

E complementa: “a colaboração de Marco Maciel para o andamento das questões legislativas durante meu governo foi fundamental. Suas marcas na Lei de Arbitragem são indeléveis.

Seus esforços para que se reconhecesse a função dos que faziam lobbies, sem que o fizessem ocultamente, são conhecidas”. Outra característica que Fernando Henrique cita de Maciel é a tolerância.

Ainda lembrando da sua gestão, Fernando Henrique revelou que Marco Maciel, não descuidava “especialmente das coisas de seu amado Pernambuco”, sendo “inúmeras as vezes em que reivindicou uma estrada importante ou, sobretudo, a continuação do Porto de Suape”.

1940 - Nasceu no dia 21 de julho. Foi o quinto filho de Carmem Sylvia de Oliveira e José do Rego Maciel. A ligação com a política foi influenciada pelo seu pai, que foi prefeito do Recife, deputado federal eleito em 1948 e vice-candidato a governador de Pernambuco em 1958.

1959 - Aprovado no vestibular da Faculdade de Direito do Recife. No primeiro ano do curso, foi diretor de Cultura do Diretório Central dos Estudantes (DCE). No segundo ano, se elegeu presidente do DCE.

1962 - Foi eleito presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Pernambuco e tomou posse em 1963.

1967-1971 - Eleito deputado estadual pela Arena e líder do governo Nilo Coelho (Arena).

1967 - Casou-se com a amazonense Anna Maria com quem teve três filhos.

1971 - Começou a atuar como deputado federal. Esse primeiro mandato acabou em 1974. Exerceu o mesmo cargo entre 1975 e 1978.

1977-1978 - Atuou como presidente da Câmara dos Deputados, em Brasília.

1979-1982 - Governador de Pernambuco

1983 - Se elegeu senador, cargo que exerceu por 20 anos. O primeiro mandato na Casa Alta encerrou-se em 1991. Depois foi reeleito por mais quatro anos (1991-1994). Voltou a ocupar a mesma função em 2003.

1985-1986 - Atuou como ministro da Educação do governo de José Sarney. Ainda na mesma gestão, foi ministro chefe da Casa Civil entre 1987 e 1988.
2003 - Entrou para a Academia Brasileira de Letras. Ao longo da sua vida, publicou mais de 28 trabalhos em várias editoras, como o a do Senado e a José Olympio, entre outras.

2010 - Aos 70 anos, perdeu a primeira eleição da sua vida

2011 - Terminou o terceiro mandato de senador pelo DEM.

2014 - A partir do final deste ano, se torna mais recluso, ficando constrangido com os esquecimentos provocados pelo Mal de Alzheimer.

Marco Maciel conta os bastidores da Nova República

Marco Maciel contou os bastidores da redemocratização numa entrevista para a série A Nova República: visões da redemocratização, realizada pelo Jornal do Commercio e a Fundação Joaquim Nabuco.

Os entrevistadores foram o cientista político Túlio Velho Barreto e os jornalistas Ivanildo Sampaio, Laurindo Ferreira, Sérgio Montenegro Filho e Paulo Sérgio Scarpa num encontro que ocorreu em 1º de fevereiro de 2005 no escritório do ex-senador no Recife.

Em 2006, a série, com o nome homônimo, foi publicada em livro. Veja ao lado alguns trechos deste histórico depoimento.

ENTREVISTADORES - O Senhor, Aureliano Chaves, Tancredo Neves e Ulysses Guimarães foram signatários do documento “Compromisso com a Nação”, que uniu o PMDB e a Frente Liberal visando o Colégio Eleitoral de 1985. Pode nos contar um pouco dessa história ?

MARCO MACIEL - Sabemos que linhas paralelas não se encontram, mas no caso do processo que culminou com a chapa formada por Tancredo Neves e José Sarney, elas terminaram convergindo. As duas paralelas eram: o retorno da democracia e, de maneira mais conjuntural, a sucessão presidencial. Elas se encontraram num movimento que resultou no documento constitutivo da Aliança Democrática (Compromisso com a Nação), assinado no Congresso Nacional em 07 de agosto de 1984. Convém lembrar que o processo de transição para a democracia começara bem antes, em 1974, quando, em discurso pronunciado na convenção da Arena, o presidente Ernesto Geisel anunciou a abertura lenta e gradual para ser segura. A partir daí se desenvolveu um processo de redemocratização que teve muitos nomes: distensão, abertura, descompressão etc. Houve um momento que considero muito importante, mas pouco citado, que foi a promulgação, pelo Congresso Nacional, da Emenda Constitucional nº11, de 13 de outubro de 1978. Na ocasião, Geisel havia designado o senador Petrônio Portela, que era muito talentoso, para começar a ouvir a sociedade. Aí, vieram aqueles encontros com Dom Paulo Evaristo Arns, Raymundo Faoro, Barbosa Lima Sobrinho etc.

ENTREVISTADORES - O Sr. se refere à ‘Missão Portela’ ?

MACIEL – Sim. Eu participei de muitos eventos da ‘Missão Portela’, mas não de todos. Acontece que, em 1977, assumi a presidência da Câmara, e Portela era o presidente do Senado e da Arena. Ele tinha assumido no lugar de Filinto Muller, que morrera num desastre aéreo, e começou a conversar com a sociedade: OAB, ABI, CNBB, órgãos de classe, imprensa...O coroamento dessa ‘missão’ foi a Emenda Constitucional nº11, resultado de uma série de negociações que permitiram o fim do bipartidarismo, a liberdade de organização sindical, a livre manifestação do pensamento etc. Podia dar outros exemplos, mas o fundamental foi a revogação dos Atos Institucionais e Complementares. Não foi permitido que as medidas tomadas com base naqueles Atos fossem objeto de revisão pelo Judiciário, mas foi um passo significativo na medida em que o Estado de Direito foi restabelecido e essas questões começaram a permear os debates políticos.

ENTREVISTADORES - Até o governo do general João Batista Figueiredo...

MACIEL - Quando Figueiredo tomou posse, convidou Petrônio Portela para ministro da Justiça. Ele me procurou porque estava em dúvida. Eu disse que achava o convite natural, pois ele coordenava, pelo governo, o processo de abertura, que deveria prosseguir com Figueiredo. Aí, aconteceram duas coisas que fizeram com que o projeto não avançasse com a velocidade desejada, embora tenham sido votadas a lei partidária e a anistia: a morte súbita de Portela, que era o grande condutor do processo e tinha delegação do próprio Figueiredo para dialogar; e a renúncia do ministro Golbery do Couto e Silva, que era chefe do Gabinete Civil e fazia parceria com Portela.

ENTREVISTADORES - E o que levou o general Golbery a deixar o governo ?

MACIEL – Pressuponho que as posições dele começara a se conflitar com interesses do próprio governo Figueiredo com relação à abertura. O fato é que houve problemas internos, que levaram Golbery a pedir demissão e isso contribuiu para que ficasse a sensação de que poderia haver recuos. Mas ele saiu do governo de forma muito elegante. Não deu uma palavra sobre o assunto. Na minha ótica, o governo Figueiredo perdeu uma pessoa capaz e que desempenhou na companhia de Portela uma boa interlocução com a sociedade civil. Esses fatos foram decisivos.

ENTREVISTADORES – Para mostrar as dificuldades do Governo Figueiredo ?

MACIEL - Dificuldades crescentes. E depois, vamos falar claro, Figueiredo não tinha vocação para a atividade política. Ele sempre fazia questão de dizer que era um militar, que não era afeito a esses assuntos. Preferia que outros falassem em nome dele e ficou, sobretudo após o infarto, mais retraído. Então, o que aconteceu ? Sobreveio a outra vertente que caminhava em paralelo ao movimento de abertura: a questão da sucessão presidencial. Nesse momento, surgiu a candidatura de Paulo Maluf, correndo por fora. Havia também a candidatura do ministro Mário Andreazza e a do vice-presidente Aureliano Chaves, um nome muito forte, que tinha a simpatia de Roberto Marinho e, consequentemente, um espaço muito grande na TV Globo. Na época, só se falava em eleição no Colégio Eleitoral e o PDS tinha a maioria no Congresso e nos Estados.

ENTREVISTADORES – Passada a convenção do PDS, a Frente Liberal se aproximou do PMDB. De quem foi a ideia de formalizar o acordo através de um documento público ?

MACIEL – Tinha chegado o momento de definir a chapa e formalizar um programa. Um dia, em meu apartamento, numa reunião com Tancredo, Sarney, Pedro Simon e outros líderes do movimento, Ulysses sugeriu que definíssemos e puséssemos tudo no papel. Ele não queria formalizar apenas a chapa, mas também um programa que devia ser muito sucinto. Foi redigido o “Compromisso com a Nação”, que serviu como programa da Aliança Democrática.

ENTREVISTADORES - Qual foi a sua participação nesse processo ?

MACIEL – Pediram-me que coordenasse a elaboração do documento. Começamos as conversas e ficou estabelecido que ele devia conter os pontos que considerássemos importantes na definição das razões pelas quais estávamos promovendo a aliança entre o PMDB e a Frente Liberal. Mas, unidos em torno de quê ? Era necessário explicar, para não parecer uma composição que fosse apenas em torno de uma chapa. Houve colaborações de Celso Furtado, João Manuel Cardoso de Mello, deputados, senadores e lideranças políticas.

ENTREVISTADORES – Há alguns anos, em entrevistas à Fundação Getúlio Vargas, o general Gustavo Moraes Rego contou que foi interlocutor dos civis ligados a Tancredo, e incluiu o Senhor. Também disse que o Sr. teria convencido Geisel a aceitar Tancredo. Como eram essas conversas ?

MACIEL – O general Moraes Rego sabe que Geisel sofreu muito com os militares mais resistentes à abertura. Moraes Rego comandou a Brigada de Campinas e foi chefe do Gabinete Militar de Geisel. Muitos, no Exército, Marinha e Aeronáutica tiveram um papel importante. Houve encontros para esclarecer porque a escolha era Tancredo e não Ulysses. Tancredo passava aos militares mais confiança. Os militares sabiam que ele não era vinculado à esquerda, e era, como todo mineiro, um homem de composição, que ia procurar fazer uma transição sem maiores traumas. Sua longa vida pública o ajudava muito.

ENTREVISTADORES – Por que o Sr não foi o candidato a vice-presidente (na chapa de Tancredo) ?

MACIEL – Aureliano dizia: “Dois nomes assinaram o compromisso pela Aliança Democrática: um, sou eu, o outro é você. Eu não posso ser vice porque não temos reeleição. Então, deve ser você”. Tancredo, Ulysses e o próprio Sarney diziam: “Marco Maciel tem todas as condições”. Mas havia um problema de ordem legal: a fidelidade partidária. No nosso caso, só poderia mudar de partido uem tivesse sido eleito pela Arena, que já fora extinta. Eu tinha sido eleito pelo PDS e não pela Arena.

ENTREVISTADORES – O Sr esteve envolvido no episódio conhecido como Pacote de Abril, em abril de 1977. Qual a sua visão dele ?

MACIEL – Em 1º de abril, o presidente Geisel baixou o Ato Complementar nº 102 decretando o recesso do Congresso Nacional. Não houve fechamento do Congresso, houve recesso. É muito diferente. Petrônio Portela era presidente do Senado e eu da Câmara. Fomos surpreendidos, porque não podíamos avaliar que a rejeição da proposta enviada pelo Governo para reforma do Judiciário fosse provocar o recesso. Reagimos e 13 dias depois o recesso foi suspenso com a edição do ato complementar 103 e das Emendas Constitucionais nº 7 e nº8. Convém recordar que foi o mais curto recesso da história do Congresso. Durou de 1º a 14 de abril. E nesse ínterim houve a Semana Santa, durante a qual o Congresso não funciona. Então, na verdade, o Congresso só ficou sem sessões uma semana.

Amigos, parentes e autoridades se despedem

Margarida Cantarelli
Com o falecimento de Marco Maciel, ficamos todos órfãos da ética de um homem público que tanto serviu a nossa terra com trabalho, competência e discrição. Eu perdi, também, um grande amigo a quem serei sempre grata.

Gustavo Krause
AMIGOS,
Mais uma dor, mais uma perda, mais um sofrimento que acomete todos nós e que nos põe diante do mistério da existência humana.
Foi-se a referência e fica o exemplo renovado pelo amor/amigo.
Disse em vida o que ele representou para mim: O SER HUMANO MENOS IMPERFEITO COM QUEM CONVIVI CINCO DÉCADAS. Como afirmou afirmou Anchieta Hélcias: FOI PARA A MORADA DE DEUS, O SEU GRANDE AMIGO.