Violência contra mulher trans

Mulher trans queimada viva no Recife foi internada em ala masculina no Hospital da Restauração

Internação da vítima em setor errado foi confirmada por deputada estadual; Mulher trans foi queimada viva na madrugada da última quinta-feira

Gabriel Dias
Gabriel Dias
Publicado em 26/06/2021 às 14:42 | Atualizado em 15/05/2022 às 20:26
Diego Nigro/JC Imagem
FOTO: Diego Nigro/JC Imagem

A mulher transexual de 32 anos queimada viva no centro do Recife na madrugada da última quinta-feira (24) passou por um constrangimento ao ser internada no Hospital da Restauração.

Inadequadamente, os profissionais de saúde colocaram Roberta Silva na ala masculina, sem respeitar a identidade de gênero da vítima. Ela teve 40% do corpo atingido pelo fogo.

A informação foi confirmada pela codeputada estadual de Pernambuco, Robeyoncé Lima (Juntas/Psol), que flagrou a situação. A parlamentar esteve na unidade hospitalar, também localizada no centro do Recife, na manhã de sexta-feira (25).

O Hospital da Restauração é de responsabilidade do Governo Estadual de Pernambuco e tem a maior emergência do Estado. É para lá onde vão os principais e mais complexos casos de pacientes vítimas de queimaduras e graves acidentes.

"A argumentação foi de que a paciente foi identificada no sexo masculino. A Roberta não tem os documentos retificados. Os documentos dela ainda estão no masculino, então, automaticamente, terminou Roberta indo para a ala masculina", disse a codeputada Robeyoncé Lima, em entrevista ao site da Rádio Jornal.

Para a parlamentar, a falta de sensibilidade por parte da equipe do hospital demonstra falta de conhecimento.

"[Isso aconteceu por] falta de capacitação dos profissionais de saúde para essa realidade. Muita gente da área de saúde nem sabe o que é uma pessoa trans. É de reconhecer que, na formação profissional, não são abordadas temáticas como esta. Se faz necessário que os profissionais entendam esses fatores em relação a cada pessoa, para que ela tenha o atendimento na área da saúde, tendo respeito às suas subjetividades", argumentou Robeyoncé.

Ainda de acordo com Robeyoncé, felizmente, na tarde de sexta-feira, Roberta foi transferida para a ala feminina.

Resposta

A reportagem procurou a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco para saber por qual motivo Roberta foi internada inicialmente na ala masculina.

Em nota, a SES explicou que o erro aconteceu por causa da documentação de Roberta ainda não ter o nome retificado e disse que o problema foi resolvido "em menos de 24h".

Nota na íntegra:

"A Coordenação Estadual de Atenção à Saúde da População LGBT de Pernambuco lamenta profundamente a violência contra Roberta, uma mulher trans, cidadã pernambucana, no Cais de Santa Rita, área central do Recife, na madrugada da última quinta-feira (24/06). Informa, ainda, que vem acompanhando a assistência à paciente e está em contato permanente com o Hospital da Restauração, maior emergência do Norte/ Nordeste e principal referência para o tratamento de queimados do SUS em Pernambuco. A paciente vem recebendo todo o atendimento de forma digna, humanizada, sendo acompanhada por uma equipe multidisciplinar especializada e recebendo todo o suporte necessário.

Sobre a internação da paciente na unidade de saúde, a Coordenação já tomou as providências cabíveis. Pelo que foi constatado, incialmente, a paciente foi recebida na unidade masculina por meio da triagem realizada a partir de seu documentos de identificação, que está sem o nome retificado. No entanto, com a intervenção conjunta do Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBT do Recife e Saúde da População LGBT do Estado, houve a compreensão de interná-la na unidade feminina, a partir de sua identidade de gênero. E após o diálogo, foi readequado o internamento. A situação foi resolvida em menos de 24h.

Importante ressaltar que, desde 2017, foi publicada uma instrução normativa para respeito ao uso do nome social nos serviços de saúde do Estado (portaria 063) e a Coordenação trabalha na perspectiva da formação continuada dos trabalhadores da saúde, com o intuito de ampliar a Rede de Atenção à Saúde para esta população, desenvolvendo sempre o diálogo com os serviços que atuam no acolhimento e cuidado integral, além de promover o respeito à diversidade.

Especificamente na área de saúde, Pernambuco é pioneiro entre os estados do Norte/Nordeste a lançar uma Política Estadual de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A missão é garantir uma assistência equânime, além de aliviar o sofrimento, dor e adoecimento relacionados às vivências da população LGBT."

Entenda o caso

Roberta Silva, de 32 anos, teve o corpo queimado por um adolescente na madrugada da última quinta-feira (24). De acordo com a vítima, a agressão foi causada por discriminação. O adolescente foi apreendido pela polícia.