ENTREVISTA

'Estou super abalado. O que eu mais quero é que ela se recupere. Quero vê-la e pedir perdão': motorista que atropelou advogada em ato no Centro do Recife

Luciano Matias que dirigia um carro Jeep Renegade, furou o bloqueio do protesto e acabou atingindo e arrastando a mulher. Depois do acidente, ele fugiu sem prestar socorro à vítima

Suzyanne Freitas
Suzyanne Freitas
Publicado em 04/10/2021 às 19:30 | Atualizado em 11/07/2022 às 12:06
Reprodução/TV Jornal
FOTO: Reprodução/TV Jornal

Em entrevista concedida à reportagem da TV Jornal, o motorista e administrador Luciano Matias Soares, que atropelou a advogada, no último sábado (2), durante uma manifestação pacífica contra o governo Bolsonaro (sem partido) que acontecia no Centro do Recife, revelou que estar profundamente abalado e preocupado com a vítima. "Eu não estou me eximindo da minha culpa. Eu tô mal de verdade, principalmente pelo que eu fiz, pela menina. Eu entrei num desespero tão grande, pedi pra uma amiga minha ir lá no local para ver o que tinha acontecido, porque eu sabia que eu não podia ir lá. Estou super abalado, o que eu mais quero é que ela se recupere. Quero ver ela, pedir perdão por tudo que aconteceu", disse.

Durante o ato, Luciano que dirigia um carro Jeep Renegade, furou o bloqueio do protesto e acabou atingindo e arrastando a mulher. Depois do acidente, ele fugiu sem prestar socorro à vítima e agora está sendo investigado por tentativa de homicídio, segundo informação divulgada pela polícia. Horas antes do acidente, o administrador explicou que havia ido tomar a vacina contra a covid-19 na Universidade Católica De Pernambuco (Unicap). Depois disso, ele teria ido buscar dois chips no trabalho de um amigo, em Afogados, e na hora do retorno passou pela área do protesto.

"Quando eu estava voltando de Afogados eu passei ali no Cais Santa Rita e vi um protesto. Neste momento eu diminui a velocidade do carro, quando cheguei próximo, vi a multidão passar por mim e eu fiquei parado. Não só eu como outros carros e outros motoqueiros. Em seguida eu abri o vidro e perguntei a um rapaz que tava em pé se eles iam ocupar a via inteira, ele disse que não e pediu para eu aguardar um pouquinho. Nesse aguardar eu fui pegando um pouco a direita e foi quando tudo aconteceu", revelou.

>>Defesa de motorista que atropelou advogada em protesto contra Bolsonaro no Recife diz que homem vota no PT e em Lula

'Medo'

Após o atropelamento, Luciano seguiu em frente e não parou para socorrer a vítima. De acordo com ele, a reação se deu por conta do 'medo'. "Essa moça veio no meu carro, começou a hostilizar, todo mundo me hostilizando, aquela confusão, aflição, foi tudo muito rápido, meu carro é automático, eu não tive aquele pensamento de parar. Eu segui com o carro e depois freei, aí ela caiu do carro, porque ela estava pendurada. Quando virei o volante, achei que não ia pegar nela, mas pegou. Não tinha condições nenhuma de voltar para socorrer. Minha vontade foi voltar mas eu não tive essa chance, as pessoas estavam querendo entrar no carro", contou.

Versão contestada por testemunhas

A versão dele foi contestada por pelo menos seis testemunhas que compareceram ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) afirmando que ele acelerou o carro em cima dos manifestantes, segundo a advogada da vítima, Priscilla Rocha.

Inquérito

O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, já encaminhou ofícios solicitando as imagens das câmeras de segurança instaladas na Avenida Martins de Barros, na área central do Recife, e proximidades. O objetivo é esclarecer os detalhes do atropelamento. O inquérito ficará sob comando da 1ª Delegacia de Homicídios do DHPP. A expectativa é de que as primeiras imagens que mostrem o atropelamento e fuga do motorista sejam entregues já nesta segunda-feira (04) para perícia. Testemunhas do caso também devem ser ouvidas. A polícia não confirmou se foi pedida a prisão do suspeito à Justiça.

Boletim de ocorrência

Depois do atropelamento, o motorista registrou um boletim de ocorrência de dado/depredação na Central de Plantões da Capital. Ele, que já foi candidato a vereador pela Frente Popular do Recife em 2012, argumenta que não fugiu da culpa, mas apenas do local. "Eu não fugi, eu fugi do local por causa da emoção das pessoas, não tinha condições de eu voltar. Eu me sinto injustiçado porque não é do meu caráter, eu não sou esse monstro que estão tentando rotular. Se eu pudesse voltar para sábado eu não teria feito esse caminho. Teria feito tudo diferente. Mas foi tudo muito rápido", completou.

Questões políticas

Em entrevista ao JC, o advogado Sérgio Gonçalves, que defende Luciano, disse que seu cliente não atropelou a advogada por razões políticas, e que, inclusive, Lucia seria simpático às reivindicações do ato contra Bolsonaro. "Ele foi relacionado como um aliado de Bolsonaro porque ele foi candidato a vereador pelo PSC em 2012, quando nem o nome Bolsonaro era falado. Já tenho em mãos e possivelmente nas redes sociais deve ter também ele informando que votou e vota no PT. Tenho também documentos que mostram ele com a camisa e a bandeira do PT. Inclusive ele falou nas entrevistas de ontem que é votante do presidente Lula, ou seja, esse fato da data de ontem não foi um ato político. Não podemos direcioná-lo como se fosse um atentado aos manifestantes", afirmou.

Estado de saúde da advogada

A advogada de 28 anos atropelada no último sábado (2) durante dispersão do protesto pacífico contra o governo do presidente Jair Bolsonaro tem estado de saúde estável e encontra-se em observação, segundo comunicado transmitido pela Comissão de Advocacia Popular (CAP). Devido ao rompimento no ligamento do tornozelo, ela precisou passar por cirurgir e teve 10 pinos implantados em seu pé, o que demandará prolongada recuperação. A vítima teria convulsionado após o atropelamento, que ocorreu no sábado por volta das 12h30. Além da cirurgia no pé, ela levou pontos na cabeça. Nesta segunda-feira (4), e mulher ainda está em observação e em recuperação no Real Hospital Português, na Avenida Governador Agamenon Magalhães.

Entenda o caso

Uma mulher foi atropelada por um Jeep Renegade, após participar do protesto contra o presidente Jair Bolsonaro no centro do Recife na manhã deste sábado (2). O atropelamento aconteceu na Avenida Martins de Barros, próximo à Ponte Maurício de Nassau e ao Armazém do Campo, no bairro de Santo Antônio. Segundo testemunhas, a vítima ainda chegou a ser arrastada em cima do capô do veículo até depois da estação de BRT, só depois caiu na pista. Ainda assim, de acordo com manifestantes, o motorista do carro passou por cima da vítima. O motorista que furou o bloqueio e atropelou a vítima, fugiu sem prestar socorro. A vítima, que foi socorrida por equipes do Corpo de Bombeiros e do Samu, foi levada para um hospital particular do Recife. A vítima, que prefere ter o nome preservado, faz parte da Comissão de Advocacia Popular da OAB. Ela passou por uma cirurgia no pé e levou pontos na cabeça, mas seu quadro é considerado estável.

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