Adolescentes negros, pobres, sem estrutura familiar, de baixa escolaridade, envolvidos com drogas, e que cometeram, principalmente, atos infracionais análogos a roubo, homicídio e tráfico de entorpecentes. Esses dados fazem parte da primeira reportagem da série Jovens e Infratores, exibida pela TV Jornal nesta segunda-feira (28), e que traça um perfil da maioria dos adolescentes que passam pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) de Pernambuco.
“A gente pode constatar no Brasil inteiro esse perfil, mas não necessariamente porque há uma vocação à criminalidade. Mas efetivamente porque há uma vulnerabilidade social maior dessas pessoas”, explica a professora de Direito Penal, Marília Montenegro.
Francisco*, de 15 anos, é um dos 1.576 adolescentes atendidos pela Funase e tem esse perfil. O garoto, que ainda apresenta traços de criança, foi abandonado pela mãe assim que nasceu e só teve a companhia da avó e da irmã. O pai chegou a fazer algumas raras visitas, mas morreu na enchente que devastou a Mata Sul de Pernambuco, em 2010. Quando a irmã casou, Francisco se sentiu ainda mais sozinho. Começou a deixar a escola de lado e a usar drogas. Resolveu roubar para manter o vício da maconha. "Eu roubei um celular e R$ 100 só", conta.
Assim como Francisco, a história de João* tem um roteiro parecido. Criado pela avó, ele também entrou no mundo da criminalidade por meio da droga. O adolescente não lembra exatamente a idade em que cometeu o primeiro ato infracional. Hoje, aos 18 anos, interno da Funase do Cabo de Santo Agostinho, ele relata com a maior naturalidade que por muitas vezes entrou em conflito com a lei. “Eu já cometi assalto, morte, tráfico, formação de quadrilha, vários artigos. Me arrependo do assalto, tráfico, mas do homicídio não. Porque era inimigo e queria me matar”.
Matias* também está cumprindo medida socioeducativa pelo crime de homicídio. Ele cresceu em uma comunidade pobre do Recife e contou que o bairro sempre foi esquecido pelo Estado. Lá, o tráfico é o único exemplo de poder. “Quando eles (os traficantes) começavam a fazer as coisas deles, davam dinheiro para entrar em casa. Tinha toque de recolher. E aí eu fui aprendendo com eles. Os nossos heróis, no nosso bairro, eram essas pessoas”, lembra.
Em um número bem menor, estão as adolescentes do sexo feminino atendidas pela Funase: são 53 garotas. Uma delas é Cristina*. A jovem cresceu no interior do Estado. Muito tímida, ela conta que sempre foi uma criança tranquila. Mas com o passar dos anos, a interna diz que “virou a cabeça”. Se deixou levar pela conversa de amigos que não gostavam de estudar. Começou a beber e a cheirar cola. Ela lembra que cheirava tanta cola que um dia ficou jogada na calçada, parada no tempo. Enquanto a mãe não parava de chamá-la. Sem ouvir os conselhos, começou a roubar. Um dia, ela e a turma de amigos resolveram roubar uma moto que estava na frente de uma delegacia. E acabou apreendida. “Nesse dia, eu tomei uns comprimidos e bebi álcool – eu e uns amigos meus. Quando penso que não, os meninos dizem:’ Bora roubar? E eu: bora!’ Quando chegamos na delegacia, pegamos a moto. E quando chegou na outra rua, os homens (policiais) disseram: volta! Aí nós voltou”, relata.
O especial Jovens e Infratores será exibido durante toda esta semana. Nesta terça-feira (29), a reportagem traz uma radiografia sobre as unidades da Funase de Pernambuco.
*Os nomes são fictícios para preservar a identidade dos jovens
