Trabalhador

MP do Emprego, redução de salários e jornada: entenda a polêmica e o que muda para jovens e pessoas com mais de 55 anos

Alterações no texto provocam polêmica: relator diz que visam a retomada; críticos falam que é "mini reforma trabalhista" e temem perda de direitos

Com informações do SBT
Com informações do SBT
Publicado em 16/08/2021 às 9:12 | Atualizado em 25/02/2022 às 17:51
 Pedro Ventura/Agência Brasil
FOTO: Pedro Ventura/Agência Brasil

Aprovada pela Câmara na última semana, a Medida Provisória (MP) 1045/2021, que renova o programa de redução de salários e jornada dos empregados - implementado no ano passado como uma medida emergencial para manutenção de empregos - durante a pandemia de covid-19, segue para análise no Senado.

No entanto, apesar da aprovação, a MP causou debates em razão de outros pontos incluídos pelo relator Christino Aureo (PP-RJ).

 

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Flexibilização

A matéria recebeu uma série de mudanças que flexibilizam formas de contratação e alteram regras da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).

A aprovação do texto-base foi marcada por tentativas de retirada de pauta por parlamentares da oposição devido às mudanças do texto.

Dentre as alterações, estão previstos dois programas de contratação simplificada: o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore) e o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip), destinado a jovens, profissionais com mais de 55 anos e beneficiários do Bolsa Família.

 

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Priore e Requip

O Priore estabelece uma redução no valor que empresas pagam ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) ao contratar jovens em seus primeiros empregos com carteira assinada, bem como pessoas acima de 55 anos fora do mercado de trabalho.

Em contratos tradicionais o valor depositado é de 8% do salário do trabalhador. Neste programa, seria de 2% para microempresas, 4% para pequenas e 6% para médias e grandes empresas.

Além disso, o contrato não poderá ser superior a dois anos.

Já o Requip seria uma espécie de estágio, em que empresas ofertam vagas junto a cursos de qualificação, sem vínculo trabalhista, com jornada máxima de 22 horas semanais e bolsa de até R$ 550.

Destinada a jovens de 18 a 29 anos desempregados há mais de dois anos ou vindos de famílias de baixa renda participantes de programas sociais, esta forma de vínculo não inclui os benefícios previstos pela CLT, como pagamento de férias, 13º salário, FGTS e contribuição previdenciária ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

"Esse jovem, pessoas oriundas de programas sociais que estão fazendo esta ambientação, esta porta de saída dos programas sociais, recebem algo em torno de R$ 550, nesse termo de compromisso temporário, e têm a oportunidade de aprender dentro do ambiente de trabalho. Depois, vai sendo qualificado com participação do Sistema S, que não só vai dar o apoio na qualificação, como também vai participar desse processo de pagamento através de uma compensação: as empresas que pagarem o bônus vão poder se ressarcir na contribuição que fazem ao Sistema S", explica o relator Christino Aureo.

O parlamentar enxerga que essas mudanças mais duradouras no texto têm como objetivo fazer a transição do momento atual para o de retomada econômica após a pandemia:

"A sensação que se tem no mercado de trabalho é que se nós não qualificarmos as pessoas, principalmente aquelas mais vulneráveis, se nós não criarmos esse 'clique' entre as vagas que podem surgir na retomada e o perfil das pessoas, isso vai continuar gerando esse número de desempregados, desalentados, e vai continuar somando num contingente grande de informais".

Crítica: a precarização do mercado de trabalho

Para os críticos da proposta, além de ter sido aprovada na Câmara às pressas, a proposta também precariza o mercado de trabalho que hoje já conta com um grande número de informais.

José Antonio Vieira, presidente da Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT), avalia que as mudanças se assemelham à reforma trabalhista de 2017, proposta pelo então presidente, Michel Temer.

"As alterações propostas, a pretexto de diminuir o número de desempregados do país, instituem regimes de contratação precarizantes, sem a devida proteção trabalhista e previdenciária. Seja pela extensão das mudanças, seja por seu conteúdo, é possível dizer que se trata de uma reforma trabalhista, semelhante à implementada em 2017, fundadas nas mesmas questionáveis premissas e com os mesmos objetivos anteriores, jamais alcançados", argumenta.

Vieira acredita que a flexibilização e a redução de contribuição ao FGTS, propostas pelos dois programas, afetam direitos trabalhistas colocando a contribuição como exclusiva do trabalhador:

"O Requip e o Priore criarão, portanto, trabalhadores de segunda categoria, que, apesar de desempenharem as mesmas tarefas de um trabalhador comum, não farão jus aos mesmos direitos."

Fiscalização

Auditores-fiscais do trabalho devem realizar duas visitas antes que um empregador possa ser multado por infringir a lei, mesmo em situações graves de violações, como infrações às normas de saúde e segurança, exceto em casos de "irregularidades diretamente relacionadas à configuração da situação" de escravidão.

A medida também torna a fiscalização do cumprimento de direitos de proteção aos trabalhadores atribuição exclusiva de auditores fiscais do trabalho, o que segundo Lydiane Machado, vice-presidente da ANPT, não é de interesse público.

"Compromete-se, assim, a capacidade estatal de garantir o pleno cumprimento da legislação trabalhista, medida fundamental à efetivação dos direitos sociais. Destaque-se, aliás, que o inciso V do art. 8º da Lei Complementar nº 75/93, expressamente autoriza o Ministério Público do Trabalho, como ramo do Ministério Público da União, a 'realizar inspeções e diligências investigatórias', 'nos procedimentos de sua competência', entre os quais estão os que visam à erradicação do trabalho infantil e da escravidão", pontua.

Estão contidas, ainda, medidas como redução de pagamento de horas extras para algumas categorias profissionais, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing, e o aumento do limite da jornada de trabalho de mineiros.

"Jabutis"

Trechos inseridos em uma medida provisória que fogem do objetivo original da proposta são chamados de "jabutis", e assim foram classificadas as alterações à medida que visava a renovar o plano emergencial de redução de jornadas e salários.

Para os opositores, as modificações promovem, na prática, uma "mini reforma" trabalhista.

As mudanças contidas no parecer do relator já vinham sendo sinalizadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Em maio deste ano, durante evento do banco BTG Pactual, ele afirmou estar "desenvolvendo uma família de produtos para flexibilizar o mercado de trabalho e atacar o desemprego em massa de frente".

Em nota, a Economia diz que "não se trata de reforma trabalhista, mas sim de novos programas com o intuito de abrir o mercado para pessoas que eram invisíveis aos olhos do Estado, oferecendo oportunidade de qualificação profissional no trabalho".

Centrais sindicais propuseram, em nota, que políticas de proteção e geração de emprego sejam "objeto de projeto de lei específico, devidamente analisado e debatido nas instâncias do Congresso Nacional, com ampla participação das representações dos trabalhadores, dos empregadores e do governo".

Christino Aureo afirma ter considerado todas as emendas que tratavam da jornada de trabalho e acredita que as mudanças propostas pelo texto visam a modernizar as relações de trabalho:

"Eu acolhi todas as emendas que tratavam de jornadas de trabalho, que é o tema original da MP, justamente flexibilidade. Elas têm o papel de promover, hoje e no futuro, uma adaptação às novas condições que empregadores e empregados terão que ter ao longo do que a gente chama de transição adaptativa, ou seja, nós vamos ter que conviver daqui para frente com regras que são muito diferentes das regras que tínhamos na década de 40, quando a CLT foi aprovada".

Mas o presidente da ANPT discorda. Para José Antonio Vieira, a preocupação com o desemprego não justifica as mudanças propostas.

"É falacioso o argumento de que é melhor ter um trabalho sem todos os direitos do que não ter trabalho, pois a geração de empregos está mais atrelada a um incremento da demanda e a medidas que fortaleçam o mercado consumidor do que à redução de custos por trabalhador."