CASO MIGUEL

CASO MIGUEL: Justiça aponta racismo estrutural e condena Sarí Corte Real e Sérgio Hacker a pagarem R$ 386 mil a fundo de trabalhadores

Na decisão, terceira turma do TST viu conduta racista no processo de contratação da mãe de Miguel, Mirtes; Embora tenha sido condenada a 8 anos de prisão, Sarí continua em liberdade

Gabriel dos Santos
Gabriel dos Santos
Publicado em 04/07/2023 às 9:17 | Atualizado em 04/07/2023 às 9:47
Notícia
DAY SANTOS/JC IMAGEM
Miguel caiu de uma altura de 35 metros do edifício onde a mãe trabalhava e morreu no dia 2 de junho de 2020 - FOTO: DAY SANTOS/JC IMAGEM

A terceira turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou Sarí Corte Real e Sérgio Hacker a pagar R$ 386 mil a um fundo de trabalhadores por danos morais coletivos. Eles eram patrões de Mirtes Renata, mãe de Miguel, menino de 5 anos que morreu em 2020 após ser abandonado por Sarí dentro do elevador do prédio onde ela morava, no Recife. 

Na época dos crimes, Sérgio Hacker era prefeito da cidade de Tamandaré, no litoral Sul de Pernambuco. Os desembargadores entenderam que Sarí e Sérgio reproduziram um padrão social discriminatório e racista na relação de trabalho com Mirtes e com a avó de Miguel, que também era empregada doméstica na mesma casa.

Sérgio e Sarí fraudaram o registro de trabalho de Mirtes e da mãe dela e pagavam os serviços das duas, como se elas fossem funcionárias da Prefeitura de Tamandaré. No entanto, ambas trabalhavam apenas dentro da casa do prefeito.

RACISMO ESTRUTURAL

Além disso, as empregadas domésticas foram obrigadas a trabalhar durante a pandemia do novo coronavírus, mesmo nos períodos mais críticos, quando autoridades sanitárias pediam que apenas os serviços essenciais fossem mantidos. Mirtes chegou a contrair covid-19 - possivelmente, em razão do contato com o patrão que também foi diagnosticado com a doença.

"Trata-se de um casal em que o marido era prefeito de uma das cidades da região metropolitana de Recife e estava usando o trabalho doméstico de duas trabalhadoras negras em sua casa durante o período de pandemia sem qualquer adoção de medidas de segurança e de defesa para a saúde delas", frisou o ministro José Roberto Freire Pimenta durante o julgamento.

Somou também para a decisão do TST a negligência quanto às normas de segurança do trabalho, que, na avaliação do colegiado, resultaram na morte do menino Miguel.

Tudo isso foi considerado como gravíssimos desrespeitos humanitários trabalhistas que agrediram o patrimônio imaterial de todo a sociedade brasileira.

"[A morte de Miguel] é o desfecho de uma cadeia de problemas estruturais envolvendo as violações trabalhistas sofridas pela família de Mirtes", disse o relator do processo, o ministro Alberto Balazeiro, em entrevista à Repórter Brasil, do UOL.

"Em virtude dessa ideologia racista operante no mundo do trabalho, mantiveram-se intocados os benefícios usufruídos pelas pessoas brancas que ao longo da história lucraram em cima da mão de obra negra", disse o relator no voto pela condenação de Sarí e Sérgio.

"Se o Judiciário não tiver uma mudança de olhar no julgamento dessas questões, haverá um incentivo à prática da exploração e um desestímulo para a denúncia das trabalhadoras, que não possuem recursos e podem ser vítimas de perseguição e ameaças ao longo do processo", disse o ministro Balazeiro, ainda segundo o UOL.

Como se trata de danos morais coletivos, o dinheiro não será pago a Mirtes, mas, sim, a um fundo de trabalhadores. O TST entende que a história de Mirtes agride todas as empregadas domésticas negras que trabalham no Brasil.

"A maioria das mulheres que trabalham no serviço doméstico são negras. E as pessoas que estão no poder, contratando, são brancas. Há um pacto da branquitude para que a gente não tenha autoconhecimento e possam usufruir do nosso trabalho de forma até ilegal", disse Mirtes à Repórter Brasil.

A Repórter Brasil tentou contato com a defesa de Sarí Corte Real e Sérgio Hacker, mas não teve resposta.

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