LIVRO

"A Pastora do Diabo": livro sobre Flordelis revela "bastidores satânicos" surpreendentes

Livro será lançado pelo escritor e jornalista Ulisses Campbell

Suzyanne Freitas
Suzyanne Freitas
Publicado em 28/04/2022 às 8:37 | Atualizado em 28/04/2022 às 8:41
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Divulgação
Pastora Flordelis - FOTO: Divulgação

Flordelis dos Santos de Souza, a deputada federal, cantora evangélica e pastora cassada e em prisão preventiva sob acusação de ter mandado executar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019, contou em várias entrevistas, ao longo dos quase 30 anos, que adotou 37 crianças após uma chacina na estação Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1994.

De acordo com o escritor e jornalista Ullisses Campbell, que lançará em agosto o livro "Flordelis: A Pastora do Diabo", essa é a maior mentira contada por ela.

Depois de ir a fundo em arquivos da polícia e de jornais no Rio de Janeiro, o jornalista descobriu que não houve registro de chacina no dia 12 de setembro de 1994. Encontrou apenas a notícia de uma tentativa de assassinato contra um sobrevivente da chacina da Candelária, que ocorreu em 1993, também no Rio.

Flordelis orgulhava-se por ser mãe de 55 filhos, entre biológicos, adotados e socioafetivos. Narrou essa história em um livro autobiográfico e no filme sobre sua vida, em que interpreta a si mesma.

"Nunca chegou às 50 mesmas crianças, havia uma rotatividade. Ela encontrava mães altamente debilitadas, nas ruas, levava a criança, dizendo que era missão, mas era para completar a meta de 50 e capitalizar em cima disso. E algumas iam embora. Ela inventava que achou crianças", disse o autor.

"Tenho depoimento de quatro mães dizendo que ela roubou filhos delas", diz Campbell, que com a obra fecha uma trilogia —as anteriores foram sobre Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga.

ENTREVISTA COM A MÃE E OS IRMÃOS DE FLORDELIS

Para escrever o livro, o jornalista entrevistou os três irmãos e a mãe de Flordelis, alguns de seus filhos e o atual namorado, o produtor musical Allan Soares, 25, entre outras pessoas próximas à pastora.

Também assistiu a depoimentos de testemunhas em vídeo e se debruçou sobre os preceitos satânicos que afirma terem sido seguidos pela pastora e por Anderson, o que incluiria rituais com os filhos envolvendo sexo, sangue e esperma.

DEFESA DE FLORDELIS

Procurada pela Universa, do UOL, a defesa de Flordelis que conversou com o advogado dela, Rodrigo Faucaz.

Ele afirma que todas as acusações são falsas. Diz que uma das filhas biológicas da cliente, Simone, já admitiu ter sido a mandante do crime, e não a mãe.

A defesa afirma ainda que a história que ela conta sobre a adoção foi colocada em xeque para 'descontruir' a imagem dela. Sobre as denúncias de rituais envolvendo abusos sexuais, diz ser uma bobagem e afirma serem situações inverídicas, inventadas, seja em versões de acusação ou de pessoas que são detratores da Flordelis".

"Não existe isso, e o fato de se dar voz a isso só reforça uma situação que o MP [Ministério Público], hoje, já não sustenta mais. Uma parte pequena dos filhos ficaram contra ela por motivos que vamos expor no júri", diz o advogado, um dos três brasileiros habilitados a atuarem no Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda, e coordenador da primeira pós-graduação em tribunal do júri do Brasil.

"Casa era uma congregação diabólica"

O título do livro traz a contradição de Flordelis ao colocá-la como a pastora, uma mulher religiosa, que agia em nome de Deus e fundou seu próprio ministério, mas ao mesmo tempo dizer que era "do Diabo".

Segundo Campbell, a pesquisa do livro sustenta que ela era bem-intencionada no início do seu trabalho social, quando começou a ajudar crianças, retirando-as das ruas e as livrando do tráfico. Nessa época, não passavam de 14. Mas isso mudou ao conhecer Anderson do Carmo, em 1991.

"Ele começou namorando a Simone, filha biológica da Flordelis, mas passou a transar com filha e mãe. Era um homem muito visionário e viu o potencial da Flordelis, percebeu que adotar muitos filhos seria um caminho para investir no papel da mulher que pratica assistencialismo, adoção. Ele mostra onde ela poderia chegar, e ela se corrompe. Vende a alma ao diabo, literalmente."

Os dois se casaram em 1994. A partir de então, ela já tem o plano de se tornar a "mãe de 50 filhos", slogan que usava ao contar sua história. "Seremos os pais do Brasil", dizia Anderson.

Ela conseguiu os holofotes por suas ações sociais, se tornou um fenômeno gospel, fundou um ministério (que funciona como um segmento religioso, à semelhança de uma igreja) e foi a mulher mais votada do Rio de Janeiro para o cargo de deputada federal em 2018.

Os agradecimentos por tantos feitos eram sempre direcionados a Deus. Mas, dentro de casa, a louvação era para o demônio, diz Campbell.

Na capa preta lê-se o título em dourado: "São Cipriano, o Bruxo" (ed. Pallas), referindo-se ao personagem de uma lenda que se conta ter sido um bruxo e, depois, convertido ao catolicismo e foi escrita entre os séculos 17 e 19. A obra traz instruções para feitiços, magias e invocações.

"A casa era uma seita, uma congregação diabólica. Ela seguia ritos desse livro. Havia um ritual de purificação em que ela tinha que transar com filhos, se banhar com o esperma deles, sempre no cunho macabro sexual", afirma. Segundo depoimentos à Justiça, o que acontecia eram estupros. 

"Ela dizia que tinha que haver troca de energia entre as pessoas, e a energia mais pura era do sexo, era nessa teoria maluca que havia abusos com os filhos."

O advogado Rodrigo Faucz afirma que Flordelis não participava de abusos sexuais cometidos contra os filhos, que seriam praticados apenas por Anderson.

LIVRO MOSTRA QUE PESSOAS USAM A RELIGIÃO PARA FAZER O MAL

"O livro mostra como as pessoas usam a religião para fazer o mal", diz o autor. "Usam o nome de Deus para praticar crimes, inclusive sexuais, arregimentam fieis, agem como se tivessem uma procuração de Deus —os cultos dela eram assim. Se falassem que não queriam fazer uma coisa, ela dizia que era porque o Diabo não queria." 

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