Guerra no Leste Europeu

GUERRA: Por que a Rússia invadiu a Ucrânia? Entenda o motivo do conflito e o que está acontecendo na Ucrânia

Tropas russas invadiram Ucrânia na madrugada desta quinta-feira (24)

Agência Brasil
Gabriel dos Santos
Vitória Floro
Publicado em 24/02/2022 às 9:18 | Atualizado em 25/02/2022 às 21:37
Notícia
DANIEL LEAL / AFP
Monumento da independência, no centro de Kiev, é importante local histórico, político e cultural da Ucrânia - FOTO: DANIEL LEAL / AFP

Na madrugada desta quinta-feira (24), a Rússia invadiu a Ucrânia. De acordo com apurações realizadas por agências internacionais de notícias, as tropas russas se deslocam com velocidade pelo território ucraniano.

Nas redes sociais, moradores compartilham o clima de medo e incerteza que sonda o país, inclusive na capital Kiev, muitas pessoas publicaram vídeos de explosões acontecendo em várias cidades.

As forças militares da Ucrânia tentam resistir o ataque e convidam todos os civis que estão aptos e podem manusear uma arma para se juntar na defesa do país. As autoridades oficiais já confirmaram a morte de pelo menos 50 soldados russos.

Qual a motivação para a guerra?

De acordo com o professor aposentado de História Contemporânea Antônio Barbosa, da Universidade de Brasília (UnB). O desentendimento entre as nações é uma questão de geopolítica que envolve grandes potências mundiais.

“É uma questão basicamente de geopolítica, mexendo com o tabuleiro de xadrez da política internacional. É como se fosse um triângulo com três vértices: de um lado a Rússia, do outro lado os Estados Unidos e o terceiro vértice seria a Europa propriamente dita. E, no meio de toda esta confusão, está um país relativamente pequeno, que é a Ucrânia”, resume Barbosa.

Ele também explica que as movimentações de Vladimir Putin, presidente russo, estão relacionadas com a vontade de mostrar para o mundo que o país "continua no jogo das grandes potências".

O professor lembra que, com o fim da União Soviética, em 1991, os Estados Unidos passou a concentrar parte do poder mundial. 

“Putin está conseguindo mostrar que, apesar de a União Soviética não existir mais, de ter perdido o controle sobre os países do Leste Europeu, a Rússia continua sendo uma grande potência, inclusive mantendo intacto o seu arsenal nuclear”, analisa.

O professor Maurício Santoro, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), concorda que “a causa última de todos esses conflitos envolvendo a Ucrânia é definir qual é a esfera de influência da Rússia, dos Estados Unidos e da União Europeia no Leste da Europa”.

Ele alerta que, após o colapso da União Soviética, houve expansão da influência ocidental nos estados que orbitavam o governo comunista ou mesmo nas repúblicas soviéticas. “Elas passaram a fazer parte da União Europeia, da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], ou dos dois ao mesmo tempo".

Santoro também explica que a Rússia coloca pressão nos países ocidentais por entender que os Estados Unidos passam por um período de instabilidade. “Há uma leitura, tanto por parte da Rússia quanto por parte da China, de que esse é um momento de declínio dos Estados Unidos, em que o governo americano tem se mostrado mais frágil e com maior dificuldade em alcançar os seus objetivos”, avalia. Ele cita que a pandemia foi um reflexo dessa fragilidade. 

Barbosa também chama atenção para o contexto interno norte-americano. “Se nós levarmos em consideração questões de ordem interna, a fragilidade no próprio Joe Biden [presidente norte-americano] e as condições do mundo hoje, os Estados Unidos estão numa posição nada confortável. Até porque qualquer decisão mais incisiva de Washington não necessita da concordância unânime da Europa”, avalia.

Por que a Ucrânia?

Para o professor Santoro, a expansão da Otan é vista pela Rússia como uma ameaça militar que pode enfraquecer a integridade territorial do país.

Isso porque, para os russos, a Ucrânia é um território chave para impedir o avanço das forças militares ocidentais. Santoro compara aos países bálticos - Letônia, Estônia e Lituânia - que foram incorporados ao tratado militar e à União Europeia. “Mas eles são países que historicamente têm uma relação forte com o resto da Europa, muito próxima ao Ocidente, em termos de comércio, em termos de cultura. Os russos não tinham como resistir.”

Na Ucrânia, porém, a situação é diferente.  “Basicamente a metade leste do país tem uma história muito ligada à Rússia e uma presença muito grande de pessoas que falam russo, com origem étnica russa, quer dizer os laços históricos ali realmente são todos voltados para a Rússia”, explica.

Já a parte oeste do país, tem uma história mais ligada ao Ocidente. “É um território que, em vários momentos da história, fez parte do império Habsburgo ou fez parte da Polônia. É outra cultura, outra tradição histórica, então a Ucrânia é, ela mesma, muito dividida com relação a para onde ele vai".

Interesses

O gás natural russo é um ponto importante de interesse e deve ditar o posicionamento dos outros países em relação ao conflito. Barbosa destaca que muitos países da Europa dependem do abastecimento desse gás.

“Na eventualidade de um conflito armado naquela região, a Rússia poderia suspender o fornecimento deste gás, que é vital. Um dos países que mais sofreria com isso é a Alemanha, o que talvez explique o fato de que, ao contrário do Reino Unido e ao contrário da França, a Alemanha, até o presente momento, não abriu a boca para contestar Putin”, destaca.

Santoro traz uma visão a respeito do governo de Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão que assumiu com fortes críticas à antecessora Angela Merkel por não dar atenção suficiente às questões de direitos humanos na Rússia e na China. “Até que ponto eles são capazes de alterar o que tem sido a política tradicional alemã”, questiona o professor da Uerj.

No caso do Reino Unido, o país pode assumir uma postura mais bélica devido a dois fatores explicados por Santoro.  “Um deles é porque o laço econômico não é tão forte, então eles podem se dar o luxo de um discurso mais duro. O outro é o momento político que o governo britânico [do primeiro-ministro Boris Johnson] enfrenta atualmente”, relata.

Boris Johnson enfrenta uma difícil crise política, após ter dado uma festa na sede do governo durante a pandemia de covid-19 e infringir as regras sanitárias do país, o primeiro-ministro sofre ameaças para renunciar.  “Seria uma maneira de contrabalançar todas essas dificuldades no plano doméstico", destaca Santoro.

Reflexos no Brasil

Se os conflitos do Leste Europeu resultarem em uma guerra de proporções mundiais, os efeitos no Brasil devem ser principalmente voltados para impactos negativos na economia nacional. 

 “É uma economia rigorosamente globalizada. Os efeitos vão se fazer sentir. Quer um exemplo? No preço do barril do petróleo. A Rússia é um dos três maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo”, exemplifica Barbosa.

Santoro explica que a região leste da Europa não é comercialmente relevante para o Brasil. “Nós não temos nenhum grande interesse nacional diretamente envolvido na Ucrânia, nessas disputas de fronteira. Agora nós somos afetados pelos impactos para a economia global de tudo que está acontecendo ali”, aponta. Para ele, o melhor é que o Brasil mantenha uma postura neutra e diplomática.

O professor de relações internacionais, porém, traz dois aspectos que podem mudar o cenário em relação à posição brasileira. Um deles é o fato de que o Brasil voltou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o tema deverá ser debatido, o país terá que se posicionar. “A segunda razão é porque o Bolsonaro está de viagem marcada para a Rússia. Uma viagem que já tinha sido planejada antes do conflito atual, mas ele vai chegar na Rússia no momento de grandes tensões”, destaca.