Dano 'para o resto da vida', diz especialista sobre óleo nas praias

Mais de 200 toneladas de petróleo foram recolhidas das praias do Nordeste
Karina Costa Albuquerque
Publicado em 20/10/2019 às 11:00
Manchas de óleo chegam a uma das principais praias do litoral nordestino, a dos Carneiros Foto: Bruno Campos/JC Imagem


As mais de 200 toneladas de óleo mancharão a história nas praias do Nordeste por muitos anos. Mesmo com a iniciativa da população e o trabalho das autoridades para retirar o material que vem poluindo a região, o impacto ambiental do óleo é uma realidade que afetará a orla nordestina por décadas.

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“Uma vez que chegou nas praias e não foi retirado, o petróleo acaba cobrindo a praia, raízes e recifes de corais, principalmente esses últimos. Uma vez no local, esse óleo fica ali se decompondo e liberando muitas substâncias, como hidrocarbonetos (produtos formados basicamente por carbonos), que acabam entrando na cadeia alimentar. Acaba o local atingido virando uma zona morta. Esse processo é muito lento e pode levar décadas para ocorrer”, diz Clemente Coelho Júnior, biólogo, oceanógrafo e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), em entrevista ao Jornal do Commercio. Ainda segundo ele, uma parte desse petróleo se solidificará, se incorporando à paisagem para sempre. “Essa parte física fica para o resto da vida”, complementou.

A limpeza desses materiais é uma corrida contra o tempo, para tentar minimizar os impactos no meio ambiente. “Depois que a mancha se espalha, o problema aumenta muito, o óleo se mistura com a água do mar e com areia e fica mais viscoso, mais difícil de ser dispersado. Se chegar à praia, a situação é ainda mais grave”, explica o professor de Engenharia Química do Programa de Pós-Graduação da Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Márcio Nele.

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Plano Nacional de Contingência

Clemente Coelho critica a forma de combate ao avanço das manchas. Na avaliação dele, houve demora para se fazer uma prevenção mais efetiva. O Plano Nacional de Contingência, por exemplo, não foi utilizado pelo Governo Federal. "O que estamos assistindo é apenas a limpeza das praias. É como apagar incêndio apenas. O óleo estava o tempo todo no mar e só agora que se fala em antecipação de danos com sobrevoos”, declarou.

O Plano Nacional de Contingência (PNC) foi criado em 2013 com o objetivo de traçar planejamento estratégico no combate e controle de vazamentos de óleo no Brasil. A não utilização desse plano foi alvo de questionamento de procuradores dos nove Estados do Nordeste, que ajuizaram uma ação civil pública para obrigar o Governo Federal a acioná-lo, em toda a costa, da Bahia ao Maranhão.

A cobrança pelo PNC também se dá devido ao pelo temor de que o óleo continue chegando às praias no futuro. Segundo Clemente, essa possibilidade é real dada as correntes marinhas e a quantidade de material despejado.

Governo

O Ministério do Meio Ambiente e a Marinha apontam que estão sendo tomadas as iniciativas necessárias para o combate ao petróleo. A Marinha também segue com as investigações para se descobrir a origem do produto, que até agora não foi confirmada. Estudos feitos pela Petrobras apontam que o petróleo tem traço da Venezuela. O navio que provocou o vazamento, contudo, não foi localizado.

Pernambuco

O óleo voltou a chegar com força em Pernambuco, e as ações estão voltadas para o controle na orla. Segundo o governo, são necessários mais estudos, no que diz respeito à avaliação do impacto. “A nossa agência ambiental está fazendo a identificação de todos os danos causados. Em Pernambuco, o auto de infração será lavrado também pela agência ambiental. A extensão ainda estamos calculando, porque não acabou o incidente. Não se tem notícias, na história de Pernambuco, de um dano ambiental dessa extensão”, disse o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti.

Descarte

O descarte do óleo recolhido nas praias também é uma preocupação. Segundo o professor Clemente Coelho Júnior, esse material tem grande potencial de contaminar, principalmente os lençóis freáticos, caso seja apenas enterrado, por exemplo. “[O petróleo] Tem ficar isolado, sem contato com nada, senão ele vai continuar contaminando”, disse.

Atendendo demanda do Jornal do Commercio sobre o vazamento do petróleo, o Ibama ratificou que os resíduos não podem ser colocados em lixo comum e explicou que, em um primeiro momento, o material deve ser afastado da faixa de areia sob influência da maré. Em seguida, o produto deve ser consolidado em um só local para posterior encaminhamento a uma prefeitura, onde ficará depositado temporariamente.

Em Pernambuco, o governo estadual informou que todo o petróleo recolhido do litoral será guardado para que a Petrobras faça um posterior recolhimento e dê o destino correto.

Dano à vida marinha

A fauna marinha também sofre com o impacto do óleo nas praias. De acordo com o Ibama, 15 tartarugas-marinhas foram encontradas mortas, assim como duas aves. O biólogo Clemente Júnior, contudo, alerta que o prejuízo aos animais marinhos deve ser muito maior, pois alguns casos podem não estar sendo notificados ao Ibama.

Ainda segundo o biólogo, outro impacto é o dano a micro-organismos do oceano. “Essa questão não está sendo vista, porque é difícil de se mensurar. Os micro-organismos são a base da cadeia alimentar marinha. Isso traz um impacto direto ao ser humano. Possivelmente, teremos mais estudos, no decorrer dos anos, do impacto para esse tipo de vida”, analisou Clemente.

  

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