Lá e Lô

Graça Araújo: “Sou um milagre. Tinha tudo pra dar errado"

TV Jornal
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Publicado em 30/11/2016 às 11:00

-Reprodução/TV Jornal

Maria Gracilane Araújo da Silva, natural de Itambé, Zona da Mata de Pernambuco. Ariana, atleta, jornalista prestigiada e querida pelos pernambucanos. Graça Araújo, como é conhecida, conta um pouco da sua história em entrevista para o site da TV Jornal. Na conversa, a apresentadora do TV Jornal Meio-Dia falou sobre família, preconceito, carreira, filhos e declarou: "Sou um milagre. Tinha tudo para dar errado".

Para começar, a gente bateu um papo no estilo lá e lô para conhecer um pouco mais a nossa convidada.

Confira a entrevista completa

Graça, você é âncora de um telejornal com grande credibilidade, ícone da nossa TV, apresentadora na Rádio Jornal, negra, mulher, muito bem sucedida... O que você acha que representou e ainda representa, pra milhares de mulheres e meninas negras, que estão ali, na frente da televisão e te enxergam como um exemplo a ser seguido?

Graça: Pelos depoimentos que eu acompanho ao longo da minha carreira, eu acho que isso de fato aconteceu, e isso aumenta minha responsabilidade com a missão de fazer um jornalismo bem feito, de representar as demandas sociais, de dar voz a essas pessoas e, ao mesmo tempo, fazer com que elas se sintam tão dignas quanto qualquer pessoa. Nós somos iguais, não é? A vida é que nos diferencia. Mas eu acho que ajudei nesse aspecto, de ser exemplo para outras mulheres, até para serem jornalistas. Já deu tempo de eu ver meninas formadas em jornalismo que acompanhavam meu trabalho, e isso me dá responsabilidade, por saber que eu represento todas elas.

Você se imaginou chegando até aqui profissionalmente? Houve uma meta, ou as coisas foram acontecendo?

Graça: Na verdade a minha meta foi mudada. Primeiro era o curso de medicina. Depois, como jornalista, era ser correspondente, e depois acabei voltando para minhas origens, para trabalhar aqui. Eu vivi em São Paulo, estudei lá e acabei voltando para trabalhar nessa região, nessa cidade, e aí as coisas foram acontecendo.

Quando foi que você se deu conta que era isso mesmo, que você tinha feito a escolha certa?

Graça: Eu acho que desde a primeira reportagem que eu fiz na Rádio Clube. Eu vi que o jornalismo é capaz de curar muitas feridas profundas, fazer transformações. Isso se você faz teu trabalho com responsabilidade, com ética e com disciplina, né? Eu acho que nesse momento o jornalismo ta vivendo uma crise, você não sabe exatamente pra quem você trabalha, e a gente não trabalha só para quem paga nosso salário, o nosso patrão também é quem ta lá do outro lado do rádio, da televisão, e são eles que você tem que representar.

Hoje, os movimentos de combate ao racismo, de empoderamento do negro, é muito latente, é algo que há alguns anos não era visto. Tem muita gente que não entende isso, que acha que é exagero. Mas é incontestável o racismo na nossa sociedade e a necessidade de compensação aos negros pela falta de oportunidade. Como você enxerga esse cenário?

Graça: Eu acho que nós já avançamos muito, a prova disso é a presença do negro na televisão. Quando eu comecei a fazer TV aqui em Pernambuco, eu era a única apresentadora negra. Hoje nós somos quatro.

Em um mercado bem enxuto, não é?

Graça: Exatamente. Tudo bem que são mais de 20 anos, mas é uma luta que vale muito a pena ser lutada, por que nós estamos conquistando e tem muito mais ainda por conquistar. O Brasil deve aos negros, meu Deus... Eu não sei... Por mais que ele fizesse políticas públicas, ele nunca iria conseguir recompensar o mal que a escravidão fez ao povo negro. Nós não somos descendentes de escravos, nós somos descendentes de seres humanos que foram escravizados. E ainda tem quem conteste as políticas de cotas raciais. Enfim, o Brasil tem uma dívida muito grande, porque a maioria de nós, a maior parte dos brasileiros é negra, e a maior parte dos negros, quase a totalidade, é muito pobre.

foto graça e geraldo freire

E você passou por alguma situação de discriminação que te marcou?

Graça: Por incrível que pareça, aqui mesmo em Pernambuco. Eu vivi em São Paulo a vida toda e nunca tinha sentido. Aqui foi a primeira vez que aconteceu e me fez enxergar que em algumas regiões do país as pessoas são mais preconceituosas que em outras. E justamente onde não deveriam ser. Mas isso é o tipo de coisa que acontece muito com o negro, se tiver uma negra e uma branca e perguntarem: quem é a patroa e que é a empregada? Vão dizer necessariamente que a empregada é a negra. Então foi numa situação em que eu contratei um marceneiro e eu fui atender a campainha, daí ele me perguntou se a patroa estava. Eu falei que estava, tirei por menos pra não constrangê-lo também. Eu acho que as pessoas são ignorantes, às vezes elas não têm nem culpa do que transformaram elas. Nós temos é que educar, principalmente a geração nova que ta vindo aí. Nós temos a responsabilidade de educá-la, fazer com que eles vejam como somos iguais.

Nós sabemos que você é atleta. Que corre pra caramba, e está conquistando medalhas pelo Brasil e fora do Brasil também. Quando foi que isso surgiu na tua vida? Você sempre gostou de atividades físicas?

Graça: Não, pelo contrário, eu era muito sedentária. Eu trabalhava muito, e fazer parte do novo jornalismo da TV Jornal deu muito trabalho para a equipe do TV Jornal Meio-Dia, nós praticamente construímos o jornalismo da TV Jornal. Eram tempos difíceis, eu trabalhava muito e não dava tempo, ou eu dizia que não dava tempo... Só sei que eu não fazia. Até que eu comecei a apresentar o telejornal e tava percebendo que a aparência não tava muito legal, eu tava ficando meio corcunda. Aí eu falei: Não! Vamos fazer musculação pra ficar melhor! Foi pra saúde mesmo. Daí eu fui me apaixonando pelo exercício e fui vendo o resultado. Depois veio a corrida como forma de desestressar, nossa atividade é muito estressante, é muito cansativa. Ela é muito boa de fazer, mas demanda um investimento pessoal muito grande, e o exercício compensa isso. Faz você falar melhor, faz você ficar melhor, ficar mais paciente, mais tranquila... (risos). E sobretudo a saúde, que minhas taxas são ótimas!

Graça em maratona do Rio

Me fala um pouco da sua família, você é filha única?

Graça: Nada, eu sou de uma família de muitos filhos, nós somos 8 irmãos. Eu fiquei órfã, nem conheci meu pai na verdade, e minha mãe já tinha 3 filhos quando ele morreu, eu era a caçula. Ela casou de novo e a gente mudou pra São Paulo, e ai eu tive mais 5 irmãos, o marido da minha mãe já tinha 2, então em algum momento lá em São Paulo, nós éramos 10 na mesma casa.

Eita!

Graça: Eita mesmo! Era complicado (risos).

Você não tem filhos, não é?

Graça: Não. Eu deixei passar o tempo... é hoje, é amanhã, é depois e não rolou. Daí eu fico agora cuidando dos sobrinhos.

Mas você não pensa em de repente uma adoção, algo assim nunca passou pela tua cabeça?

Graça: É que eu tenho tantos adotados na família. Eu sou de uma família muito pobre, então tem muita gente pra estudar, pagar escola, ajudar... Eu sou arrimo de família, sempre fui, desde que eu tinha uns 20 anos que eu cuido da minha mãe. Mas não tá descartada essa possibilidade não, eu acho até que vai acontecer... (risos)

E bichinho de estimação, você tem?

Graça: Tenho! Um cachorro, o Toy. Lá no Instagram tem umas fotos dele.

Na rua, as pessoas te assediam muito?

Graça: Não. Não a ponto de me incomodar. Se tem uma coisa que não me incomoda é fã. Os meus fãs são muitos discretos. E eu lido muito bem com isso. Tiro foto, na época do autógrafo era autógrafo, não me incomodo.

Ah, nós vimos que outro dia você pegou um ônibus pra voltar pra casa depois de uma corrida. Você tava muito suada e nenhum táxi queria te levar. Eu sei que era domingo, mas teve gente no ônibus que chegou a te reconhecer?

Graça: Se eu não falar, as pessoas não me reconhecem. A minha voz é que entrega. Agora, quando eu peguei metrô para ir assistir aos jogos da seleção... aí foi um auê (risos). Tem alguns lugares que você tem que tá preparada. Essas são as pessoas que me assistem, são meus patrões. Se você parar pra pensar, se não tivesse audiência, eu não estaria no vídeo.

graça com Jonnathan Monteiro no ônibus

Uma coisa engraçada, com as redes sociais a gente percebe que sempre que você aparece, tem um retorno muito positivo do público, o pessoal sempre está lá, e elogiando o tempo todo.

Graça: Não aparece ninguém pra meter o pau em mim, acho que quem quer meter o pau simplesmente não entra, (risos). Eu uso mais o Instagram, mas às vezes que eu entro no Face eu vejo que é unanimidade. Eu digo: meu Deus, não apareceu ninguém pra dizer “feia”, “desagradável” (risos)... Mas quando você constrói uma carreira se dando ao respeito, as pessoas te respeitam. Eles sabem que eu não me vendo, eles sabem que politicamente eu não prejudico ninguém, não fico usando meu trabalho pra eleger Fulano ou Beltrano, então o retorno só poderia ser esse.

Uma última pergunta: Graça por Graça?

Graça: Acho que eu sou uma vitoriosa, sobrevivente e vitoriosa. Eu tinha tudo pra dar errado, eu comecei a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, trabalhando todos os dias e estudando todas as noites. E consegui seguir, pagar minha faculdade, me colocar no mercado de trabalho... tanto que nenhum dos meus irmãos conseguiu fazer faculdade. E eu agradeço a Deus por ter dado certo. Eu penso em Deus todos os dias, eu divido tudo com ele, eu peço ajuda, ajuda pra correr, ajuda pra trabalhar, eu acho que ele manda em tudo. Se todo mundo acreditasse nele e fizesse o que ele diz, amar o outro como a você mesmo, a gente resolvia tanta coisa.

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